“Escreva todos os dias que uma hora você vai ficar bom”
Mentira. Sem estudo, você vai continuar escrevendo e repetindo os mesmos maneirismo e erros e nem se dar conta disso. Praticar por anos de forma errada só vai fazer com que reforce maus hábitos. Aliás, isso serve para qualquer prática, incluindo exercícios físicos (joelhos e lombar que o digam)
Sugestão:
Estude. Peça feedback de outros escritores, ou na falta, peça uma opinião de um leitor beta. Um leitor beta pode indicar alguns problemas na sua escrita, ou na maneira que escreve e você pode procurar corrigir esses pontos de melhoria.
Divida a escrita em habilidades menores e pratique cada uma delas por vez:
Dedique-se por algumas semanas aos diálogos, até que esteja satisfeito com os feedbacks que receber. Depois vá trabalhando as suas descrições, o seu “Não conte, mostre”. Trabalhe nas estruturas de cenas. Você pode ir fazendo isso com seus textos antigos ou pegar algum exercício de escrita criativa como prompts e estudar essas técnicas.
Peça feedback específico do que estiver estudando e use isso para melhorar a técnica até que estava satisfeito, mas lembre-se que buscar a perfeição é utopia.
Aqui algumas ideias de como dividir.
“Mostrar, não contar”
Quando você escreve algo como:
“Valdemar estar esperando a entrevista apreensivo”
Você está contando o que acontece e não mostrando.
Contar é como ir ao cinema e, ao invés de assistir ao filme, alguém for lhe contando o que está sendo mostrado na tela. Isso faz com que todo o impacto da cena se perca. E também perde o engajamento do leitor.
Invés do trecho anterior, tente algo parecido com o trecho abaixo:
“Valdemar tamborilava os dedos sobre a pasta em seu colo encarando a porta em frente à sua poltrona. Ele olhou para o relógio outra vez. Uma pequena gota de suor se formava em sua têmpora apesar do ar-condicionado congelante da antessala.”
Se desafie a mostrar e não contar, reveja cada cena que já escreveu e tente identificar onde pode melhorar.
“Listar ações sem apelo emocional”
Muitos escritores tendem a tratar as ações como uma lista de compras.
“Ele andou pela sala, ele viu a carta sobre a escrivaninha, ele abriu a carta e entrou em choque”
Além de estar apenas contando o que aconteceu na cena, nenhuma emoção está sendo transmitida. Uma cena precisa de emoção, tensão, obstáculos a serem superados. Descrições sensoriais (não apenas visuais). Precisa ter um peso emocional nessa cena.
Por que ler a carta?
O que o impede de ler a carta?
Quais as sensações que a sala transmite?
Qual o sentimento da cena?
Vamos tentar reescrever levando em consideração esses quatro pontos
“Ele caminhou devagar pelo corredor acarpetado, a poeira subindo a cada passo até a porta. Hesitou a girar a maçaneta e quando a abriu o cheiro de tabaco dos charutos de seu pai ainda pairavam no ar mesmo depois de meses após o enterro. Seus olhos pousaram em um envelope branco sobre a escrivaninha com a caligrafia que sua mãe havia escrito cartões de aniversário e recados na porta da geladeira, podia ver as marcas pesadas da tinta em seu nome escrito de forma raivosa no papel. Seus dedos tremiam ao rasgar a borda do envelope.”
Agora podemos responder aos questionamentos levantados apenas com a descrição e um pouquinho de subtexto.
“Cenas que não mudam a emoção ou o valor”
Toda a cena precisa iniciar em um estado emocional e terminar em outro, se a cena começa e termina com a mesma emoção ela é uma cena inútil e não acrescenta nada à narrativa. Esse tipo de cena pode ser cortada ou reescrita.
Pensa na cena como uma experiência que o personagem ou personagens precisam passar, se eles saírem dessa experiência da mesma maneira que entraram, a cena não acrescenta nada a história.
Então pense em como o personagem está antes de passar por essa experiência e em como ele sairá dela.
Ele pode chegar esperançoso e sair desesperado.
Pode entrar curioso e sair com um conhecimento.
Pode estar confiante e sair desesperado.
A emoção não precisa ser antagônica, mas precisa ser diferente da inicial.
Pense nisso quando for construir ou revisar suas cenas.
“Histórias sem conflitos, desafios ou obstáculos”
Um dos maiores erros que um escritor pode cometer é contar uma história linear onde o protagonista vai seguindo a vida sem que nada o faça questionar suas motivações ou sem nenhum obstáculo a ser superado. Isso seria ótimo para nós, mas para personagens e, principalmente, para boas narrativas precisamos de conflitos a serem superados.
Os melhores conflitos podem conter: riscos claros, importância pessoal, ticking clock (um prazo, uma contagem regressiva) ou uma escolha impossível. Dentre outras possibilidades.
Se o conflito não colocar o personagem em uma escolha difícil, o impacto também é reduzido. Quanto maior o conflito mais impacto a cena terá.
Pense em uma tomada de decisão complicadíssima. vou citar um exemplo que eu vi em um filme de Horror Cômico adaptando um conto de Stephen King, The Monkey (2025), escrito e dirigido por Osgood Perkins. O personagem está na última semana antes de perder a guarda do filho adolescente que ele afastou para que a maldição do macaco não o matasse, porém quando o macaco ressurge e ele precisa decidir se salva a vida do filho se afastando dele ou se leva o filho junto para investigar essa aparição do macaco arriscando a vida do filho. O peso da escolha é até próximo, se ele decide abandonar o filho ele nunca mais o verá e perderá essa única semana de reconciliação, pois perderá a guarda dele para sempre e caso o leve junto ele pode morrer. E ele não terá outra oportunidade de passar um tempo com o filho.
O personagem tem um conflito que tem riscos claros, tem importância pessoal, tem uma ticking clock (um prazo se esgotando) e é uma escolha impossível de ser tomada.
“Escrever é um trabalho solitário”
Outra mentira. Você não se desenvolve no isolamento. Ao mostrar seu trabalho apenas para a família e amigos próximos e receber um: “tá ótimo”, estará se enganando. É preciso receber retorno de outros escritores, trocar experiências. Precisa receber críticas de especialistas, precisa que a estrutura de sua história seja analisada e seja comentada sobre isso, só assim pode identificar suas falhas e corrigi-las. Ninguém acerta de primeira, ainda mais tentando sozinho.
“É preciso contextualizar a história”
Começar com muito background ou muitas explicações sobre o universo onde se passa pode fazer o leitor pular partes da história ou até mesmo fechar o livro e passar para outro. Não queremos isso, mesmo tendo um universo complexo e personagens com backgrounds intrincados.
Então como corrigir isso?
Expor somente o que o leitor precisa saber para compreender o que está lendo. Nada mais.
Só revelar as coisas quando forem necessárias. As coisas vão se encaixando, confie no leitor, ele é esperto para entender sem que precise ser entupido de informações prévias.
Os leitores não precisam saber tudo que você, como escritor, sabe sobre a história e sobre cada personagem. É importante que você saiba, pois isso dará consistência nas tomadas de decisões que os personagens farão e porque eles farão certas escolhas no decorrer da história ou porque eles reagem de uma maneira diferente com outro personagem.
Não force um infodump para o seu leitor.
“Personagens precisam ter desejos específicos e claros.”
Não basta colocar uma motivação vaga como ser feliz, o que ele precisa para ser feliz? Precisa de uma casa? Precisa de um carro? Precisa estar em um relacionamento?
E personagens fortes precisam ter um conflito entre o que eles querem e o que perderão para alcançar isso.
Eles querem ter algo, mas sem perder outra coisa. E isso é o que gera o conflito.
Se seu personagem quer ser promovido, mas não quer prejudicar seu amigo. Se ele quer um novo amor, mas não quer abandonar sua esposa e filhos. Se ele tem um dilema, ele é um personagem mais complexo.
Coloque um empecilho que o personagem não consiga abrir mão para que ele consiga atingir seu objetivo. Adicione um dilema, pode ser moral ou pessoal. Mas a escolha que ele fizer precisa trazer consequências.